Theodorico à esquerda, entre Armando Marques e Manoel Francisco de Oliveira, usa uma jaqueta, cópia do uniforme de um árbitro inglês na metade dos anos 1960. Ele era quase um metrossexual. Empoava-se no rosto, usava cordões e pulseiras espalhafatosas e tanto com ou uniforme da PM ou à paisana, era um cara cuidadoso com a imagem.
Um dos personagens mais controvertidos
na área policial- militar, o tenente Thodorico Rodrigues por mais de 20 anos
foi árbitro de futebol. Sua carreira teve início no extinto campeonato
suburbano de tempos idos –década de 1940.
Um impasse na escolha de um juiz para
apitar uma partida amistosa interestadual entre o Remo e o Moto de São Luis em
1949 fez com que a então Federação Paraense de Desportos (FPD) a antecessora da
FPF (Federação Paraense de Futebol) através de seu Departamento de Arbitragem,
recorresse ao considerado melhor árbitro suburbano. E o Theodorico se saiu bem
na missão. A partir de então teve início uma longa carreira que se estenderia
até 1972.
Apitando jogos tanto em Belém como em outras capitais por ocasião do Campeonato
Brasileiro de Seleções Estaduais que há muito tempo foi eliminado do calendário
da CBF.
Colaborador por longos anos de
jornais e revistas na área de arbitragem, ele terminou por se consagrar mesmo
foi no rádio como o comentarista mais famoso de quantos tentaram êxito na
função, sem entretanto conseguir. A exceção foi Manoel Nery Filho, o primeiro a
se firmar através da Rádio Clube. E que cunhou um bordão até certo ponto
original: “No fi-gu-ri-no” – dizia pausadamente quando confirmava um gol.
Outros nomes que passaram pelas emissoras de Belém: Arlindo Louchards que teria
sido o pioneiro na Marajoara e depois na Guajará. E mais: Fernando de Jesus
Andrade e Manoel Francisco de Oliveira (excelentes na função de árbitro) ambos
pela Liberal, além de Paulo Cecim pela Marajoara, antes de revelar-se como seguro
debatedor e apresentador de TV e um bom comentarista técnico através da Clube.
Foi da autoria de Ivo Amaral a grife
com a qual Theodorico seria consagrado no rádio esportivo: O Papa da arbitragem.
Em uma noite depois de sairmos do
Diário do Pará, eu, ele e mais uma turma da redação, peregrinamos por alguns
bares. Ao pararmos em um deles, na Cremação, fiquei conversando a sós com Theodorico
que revelou-me alguns acontecimentos de sua vida. A começar por seu ingresso na
Polícia Militar. Era da tropa de cavalaria. Certo dia estava lavando um cavalo,
passando a escova no corpo do animal por um dos lados, sem querer se aproximar
da cauda. De repente é observado por um coronel que lhe chama às falas. “Você
está fazendo o quê com o cavalo?” –indagou em tom de voz ríspido.” Banhando o
cavalo, coronel”, respondeu o iniciante cavaleriano. “E por que não fica atrás
do animal?” –retrucou o superior hierárquico. “Ele pode me dar uma patada”
–responde Theodorico ingenuamente. O coronel passa-lhe um ralho. “Quer dizer
que você escolheu a cavalaria e tem medo de cavalo...” –ironizou. A partir
daquele dia o soldado Theodorico esqueceu o que era medo.
Truculento e por vezes quase rude,
ele protagonizou um acontecimento em meados dos anos 1970 que quase lhe custa a
vida. Era o temível diretor da Colônia Penal de Cotijuba, que alguns até
chamavam de “A ilha do inferno”. Sua fama de policial violento e desumano, por
muitos anos o estigmatizou na PM e perante a opinião pública através da imprensa.
Em uma viagem de Belém para a ilha, guarnecia sozinho na condição de policial,
uma levada de presos. Em um trecho da viagem - já no fim da madrugada para o amanhecer -, foi desarmado,
feito refém da malta e depois atirado na água. Ele não sabia nadar. Teve uma
das mãos colocada na quilha da embarcação e mutilada por uma paulada. Mas
conforme comprovam as ironias da vida, um dos detentos o salvou. Arrastou seu
corpo até a margem do rio e deixou-lhe jogado por lá. Foi resgatado cerca de
três dias depois. Passou por uma longa temporada hospitalar e demonstrando resistência física extraordinária, recuperou-se
quase que totalmente do flagelo.
Na Marajoara e depois na Clube,
Theodorico tornou-se um personagem burlesco por suas tiradas e expressões hilárias
cunhadas por ocasião das transmissões do futebol. Uma espécie de Mário Vianna (ex-árbitro
do futebol carioca e que se tornou conhecido por seus comentários jocosos no rádio)
sendo mais criativo e regionalista nas frases de efeito.
Alguns desses bordões:
Saiu da figura A para a figura B
(quando o jogador estava impedido).
Catando piolho em cabeça de surucucu
(´árbitro estava inventando em alguma marcação).
Ele está vendo visagem (em jogos
noturnos, sua crítica aos erros de arbitragem).
Gooollll le-gí-ti-mo (marcação
correta de gol).
Está vendo com os olhos do Rei
Clareão (quando o árbitro marcava alguma infração que ele considerava inexistente).
Foi nessa noite que ele fez uma
revelação, não sei se sob efeito alcoólico ou simplesmente para dar uma
satisfação que lhe estivesse sendo cobrada intimamente: “O rádio me humanizou”.
Ficou emocionado, eu senti naquela ocasião, mas evitei aprofundar o assunto.
Era um leitor assíduo da antiga revista Seleções, foi outra de suas
inconfidências. Escrevia com simplicidade e era objetivo no tema em que focava.
Morreu em 2010.